domingo, fevereiro 27, 2005

Sobre a estrada de Sintra...

No mesmo caderno onde tinha aquela recita sobre o que vestir, encontrei isto e achei que tinha piada pôr aqui:

Numa estrada sombria
Onde os meus demónios me esperam
Senti de novo a vida
Senti de novo o sangue
O medo acordou-me do sono letárgico em que me encontrava
Mostrou-me que ainda sei sentir
Mostrou-me que fingia quando dizia viver.

14 de Fevereiro de 2004 (lembras-te???)

Morte Lenta

O "socilogicamente correcto". Ou o "familiarmente correcto". Essa fasquia, essa barreira, esse objectivo. A necessidade de corresponder ao que os outros esperam de nós. Ao que esperamos de nós mesmos. Porque a dificuldade está aí: na frágil fronteira entre os nossos desejos e as aspirações daqueles a quem amamos, de cujo afecto dependemos e que não queremos desiludir.

Naquela altura de afirmar as nossas inseguranças a que chamam adolescência, tentamos desenvolver algo de nosso, só nosso. Mas a verdade é que, assim que abraçamos a liberdade total que a idade adulta traz, assim que vislumbramos um raio de liberdade, logo a angústia se impõe. Afinal o que queremos? A resposta é simples. Ser feliz. Mas nesta simplicidade aparente escondem-se as dúvidas e os temores. O choque. Entre o ideal e o real.

Estes são os dias em que aquilo que idealizámos deve ser posto em prática. Sabemos isso. Apenas já não temos a certeza do ideal. Ou melhor. Este encontra-se esbatido pela rotina que se impôs e que apaga aquilo que sonhámos com os gestos vazios do dia-a-dia. Não temos tempo (sempre o tempo) para descobrir quem somos ou o que queremos.

Mas sabemos dizer que não estamos bem. Conseguimos identificar essa angústia de quem não está satisfeito e reúne forças para mudar. E esse é o primeiro passo. Por isso acredito que há esperança para nós. O fato que vestimos hoje, que faz de nós personagens cinzentos no breve filme da nossa vida, não dura para sempre.

Deixo-te com as palavras de quem sabe mais do que nós, aqui. Porque Neruda tem sempre a melhor das respostas...

Por falar em roupa...

Por causa do fim do teu post lembrei-me de uma espécie de poema que escrevi há tempos... Para te animares e para veres como a natureza feminina é simples...

Hoje à noite põe-se o sol
Para acontecimento tão electrizante
Há que estar fascinante

E o que é que eu vou vestir?

É uma pergunta que me persegue
Para trás e para diante
E se pareço um elefante

E o que é que eu vou vestir?

Sofro pelo caminho
Perco-me pelas ruas
Imagino as velhas nuas

E o que é que eu vou vestir?

Continuo pela cidade
Vejo os pobres no autocarro
O puto rico que fuma um charro

E o que é que eu vou vestir?

Desço o jardim dos maricas
Encontro tias na avenida
Sem saber da minha vida

E o que é que eu vou vestir?

Marginais embelezam prédios
Gastos e podres, a cair
Onde velhos e gatos vão dormir

E o que é que eu vou vestir?

Uma linda mulher passa por mim
De saia curta, perfume quente
Vai trabalhar, no Intendente

E o que é que eu vou vestir?

Um engravatado de gel no cabelo
Olha para as meninas que passam
Adivinhando formas que as fardas disfarçam

E o que é que eu vou vestir?

Uma peixeira que ri baixinho
D'uma doméstica de rabo inchado
A quem vendeu peixe estragado

E o que é que eu vou vestir?

E na miséria que por mim passa
E que finjo não existir
Baixinho julgo ouvir

E o que é que eu vou vestir?

Só então eu percebi
O meu espectáculo elitista
De todos estaria à vista

E o que é que eu vou vestir?

Fico assim a saber
Que o espectáculo que me espera
É típicvo da Primavera

E o que é que eu vou vestir?

Pergunta a velha na janela
De olhos postos na roupa estendida
Decide-se pela camisa encardida

E o que é que eu vou vestir?

O meu pôr-do-sol à beira tejo
Partilhado com o ardina da esquina
A sopeira e a menina

E o que é que eu vou vestir?

O espectáculo é gritante
Para a cidade velha e nua
O sol põe-se ao fundo da rua

E o que é que eu vou vestir?

Com a cidade às escuras
É tarde, vou dormir
Frustrada, o pijama vou vestir...

15 de Maio de 2001

sábado, fevereiro 26, 2005

Estranha forma de vida

Ultimamente tenho dado por mim a pensar no sentido da vida. Nada de grandes filosofias (para isso é preciso Tempo, e este escoa-se quase sempre por um canal orientado em direcção ao pragmatismo)... Acho que na verdade pensei, antes, naquilo que dá sentido à vida - o insconsciente tem razões que a razão desconhece...
É nisto que dá mudar de rumo, abarcar novos desafios - a engrenagem certinha e oleada que, rotação após rotação, nos conduz para alguma qualquer inevitabilidade que, tivéssemos escolha, nunca sequer ponderaríamos, soluça, insegura na sua precaridade acomodada.
E é nessa altura que olhamos em volta e descobrimos que somos livres de mandar às urtigas o sociologicamente correcto... E que esquema bem montado é este ...mente correcto! Vai-nos guiando ao longo das escolhas importantes e ou difíceis sem nunca hesitar, porque é assim que deve ser.
Só que de repente acordamos um dia e temos vestido um casaco horrível, com um corte indescritível, que não se ajusta especialmente bem nos ombros, torna-nos mais baixos e ainda por cima tem uma cor cinzentona completamente incaracterística... E pensamos, o que raio trago eu vestido? quando é que eu comprei isto?
Cuidado com esses casacos... Eles andam aí...

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Agora Sim...

Agora sim, estamos a ficar um blog a sério. Compreendo e aceito a falta de tempo. Mas não a falta de Tempo... E isto serve também para mim...

Estreia

E já não era sem tempo...
É o que dá querer abrir em grande... Foge-me sempre o tempo para me sentar calmamente e escrever como deve ser. Entretanto vou-me esquecendo que, mesmo assim, é pior não escrever nada... Desculpa, J, não me esqueci deste nosso espaço de desabafo! Nome curioso, com sabor a "private joke" - gosto! Vamos dedicar-nos, pois, à escrita tortuosa e a meter medo ao susto! Estou a brincar (ou talvez não...)! Volto já... Tenho que ir roubar tempo...

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Carpe Diem...

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e nao estamos de maos enlaçadas.
(Enlacemos as maos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e nao fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as maos, porque nao vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixoes que levantam a voz,
Nem invejas que dao movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagaos inocentes da decadencia.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as maos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis

O Mistério

Gostava de saber qual o mistério. O mistério do Tempo. Quando se tem o tempo ocupado a dúvida cresce: onde arranjar Tempo? Lembro-me sempre de um horário que me mandaram fazer. E depois mandaram-me comparar o horário, com aquilo que eu achava importante. E em dois minutos descobri. O Tempo cresce quando estamos a fazer aquilo que gostamos. O Tempo cresce quando acreditamos no que estamos a fazer.

O Tempo não é uma medida universal. Não se mede com um relógio. Mede-se em obras, em acções. O Tempo é uma extensão dos ideais, é o Espaço em que os vivemos.

sábado, fevereiro 19, 2005

Mobilizar a Malta

Constou-me que alguns dos nossos jovens não querem ir votar. Não se sentem mobilizados. Pior. Alguns não têm sequer cartão de eleitor. Assim se mede a força de uma democracia. Todos nós a elogiamos como o melhor regime. Mas ninguém se mexe na hora de a legitimar. Fala-se da crise de regime. Para mim, vive-se uma crise de cidadania.

Basicamente, está-se tudo nas tintas. Desde que tenham telemóvel e guito para umas imperiais, a juventude está satisfeita. Há falta de ideais e excesso de bens materias, dizem alguns. Vivemos todos nas nuvens, digo eu. É que um dia, a mais que longa carreira escolar acaba. Começamos a ser demasiado grandes para viver na apertada dependência dos pais. E depois é que elas doem. O desemprego. O trabalho que não nos diz nada. A fuga aliciante para o estrangeiro que nos deixa orfãos de afectos numa terra alheia.

De repente crescemos. Somos independentes. Temos filhos. E impostos para pagar que se esgotam sem que as escolas melhorem, ou os hospitais fiquem decentes. E invejamos a cultura dos nossos pais e assustamo-nos com a ignorancia dos nossos filhos. E vemos o nosso futuro e o deles maculado.

Temos um dever de cidadania. Não interessa em quem, só interessa que se vote. E sem clubismos. Convém, por uma vez, deixar de se ser jovem inconsciente e, pelo menos, fingir que nos importamos.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

A incubadora

Acabamos de nascer enquanto blog. Estamos na fase da incubadora. Para não acontecer o mesmo que aconteceu a certas e determinadas pessoas, espero que este blog receba, pelo menos dos seus colaboradores, respeito e carinho. Mas só nos primeiros tempos. Porque depois é para doer...

Joana